O Importar-se Tanto Com Tudo e Suas Consequências
Muitas pessoas vivenciam intensa preocupação e apego
excessivo, frequentemente se perguntando: "Por que me importo tanto com
tudo?" e neste artigo far-se-á uma tentativa em explorar as raízes desse
sentimento, em como ele afeta a vida pessoal, social e profissional e como se
pode se importar significativamente sem se sentir sobrecarregado.
A psicanálise pode
ajudar a compreender essa intensa preocupação e apego excessivo que muitas
pessoas vivenciam na vida contemporânea, fora e dentro (principalmente) das
redes sociais.
Sigmund Freud introduziu conceitos como o princípio do prazer e o
princípio da realidade, explicando que nossa psique está constantemente
lidando com conflitos entre desejos inconscientes e demandas externas. O
apego excessivo pode ser entendido como uma manifestação desses conflitos
internos, onde a necessidade de controle, segurança e reconhecimento prevalece
sobre a capacidade de aceitar a incerteza.
Jacques Lacan, ao reinterpretar Freud sob a ótica estruturalista, propôs
que nossa identidade é construída a partir da linguagem e do desejo do outro. O
apego excessivo pode então ser visto como uma busca incessante por validação e
reconhecimento, refletindo um desejo profundo de preencher uma falta
fundamental.
Melanie Klein, por sua vez, aprofundou a ideia das ansiedades primitivas,
sugerindo que muitas preocupações exacerbadas têm origem em angústias
precoces, como o medo da perda e da destruição do objeto amado. Assim, a
preocupação excessiva pode derivar de uma tentativa inconsciente de reparar uma
perda simbólica ou real vivida na infância.
Donald Winnicott introduziu o conceito de "ambiente suficientemente
bom", destacando que a segurança emocional na infância influencia
profundamente nossa capacidade de lidar com incertezas na vida adulta.
Indivíduos que experimentaram um ambiente inconsistente ou imprevisível podem
desenvolver um apego excessivo como uma tentativa de criar estabilidade onde
antes faltava.
O cuidar do outro muitas vezes decorre de traços positivos
como empatia e sensibilidade, mas também pode ser moldado por ansiedade, trauma
ou traços neuro divergentes. Aqui estão possíveis causas comuns:
1. Alta Sensibilidade e Empatia
Algumas pessoas são mais sensíveis emocionalmente do que
outras, processando emoções e estímulos de forma mais profunda e frequentemente
sentindo as emoções dos outros como se fossem suas. Essa
profundidade emocional promove a compaixão, mas também pode levar à sobrecarga
emocional, especialmente em ambientes estimulantes ou cheios de conflitos.
A ansiedade frequentemente se manifesta como excesso de
preocupação. Pessoas com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) podem se
fixar em uma ampla gama de preocupações, tanto grandes quanto pequenas. Um
ditado popular resume bem isso: "Depressão é quando você não se importa
com nada. Ansiedade é quando você se importa demais com tudo." Se você
se pega constantemente analisando conversas, antecipando os piores cenários ou
se sentindo responsável pela felicidade de todos, a ansiedade pode ser um
fator.
3. Trauma e Hipervigilância
Traumas passados — especialmente traumas de infância — podem ensinar seu cérebro a ficar alerta a ameaças. Esse mecanismo de sobrevivência pode agora se expressar como
excesso de cuidado. Seu cérebro e corpo estão tentando protegê-lo de mais
traumas, mesmo muito tempo depois que o perigo passou. Essa hipervigilância
pode levá-lo a monitorar as emoções dos outros ou tentar controlar situações
para evitar o perigo percebido.
4. Neuro divergência e Intensidade Emocional
Pessoas com características neuro divergentes frequentemente
relatam maior sensibilidade emocional. Importar-se profundamente não significa
que algo esteja errado com você. Na verdade, muitas vezes reflete inteligência
emocional, empatia e um forte senso de valores. No entanto, se esse cuidado
excessivo causa angústia, às vezes ele pode ser um sintoma de condições
subjacentes, como:
Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): Preocupação persistente com diversos aspectos da vida.
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou Autismo: Desregulação e sensibilidade emocional.
TEPT Complexo: Hiper consciência e envolvimento emocional
excessivo devido a traumas passados.
Se esses padrões atrapalharem o funcionamento diário ou
causarem sofrimento emocional, consultar um psicanalista pode ajudar. O setting
analítico (relação paciente-psicanalista) pode oferecer ferramentas para
gerenciar esses sentimentos sem perder a empatia. Conversar com psicanalista
pode ajudar a entender padrões, validar emoções e aprender ferramentas para
lidar com situações que gerem preocupação ou o “importar-se excessivo”.
Embora a preocupação excessiva possa acontecer por causa de um bom motivo, ela pode levar a consequências indesejadas, tais como:
Exaustão Emocional
Preocupar-se constantemente com tudo pode levar ao burnout. O psicólogo Herbert Freudenberger cunhou burnout como "exaustão emocional — a fadiga que surge ao se importar demais, por muito tempo". Você pode se sentir entorpecido, sobrecarregado ou facilmente irritado. Isso não é sinal de que você parou de se importar — é sinal de que você se importou demais, sem descanso.
Paralisia de Decisão
Preocupar-se com todos os resultados potenciais pode fazer
com que até mesmo as pequenas decisões pareçam assustadoras. Você pode analisar
demais, procrastinar ou evitar escolhas completamente por medo de decepcionar
os outros ou de tomar a decisão errada.
Agradar as Pessoas
Muitos cuidadores excessivos têm dificuldade com limites.
Você pode dizer sim quando quer dizer não, assumir responsabilidades que não
são suas ou evitar conflitos para manter os outros felizes. Com o tempo, isso
pode levar a ressentimentos ou sentimentos de desvalorização nos seus
relacionamentos.
Autocrítica Severa
O cuidado excessivo geralmente inclui uma crítica interna
intensa. Você pode se concentrar em pequenos erros ou se sentir culpado por
coisas que estão além do seu controle. Em vez de apreciar sua compaixão, você a
transforma em auto culpa.
O Importar-se Demais e as Redes Sociais
Quando alguém se importa excessivamente com os outros —
especialmente no ambiente das redes sociais, pode acabar entrando em uma espiral
de ansiedade, necessidade de controle e até comportamentos autodestrutivos.
Isso acontece porque o desejo de agradar, ser aceito ou “não falhar” diante do
olhar do Outro pode se tornar uma prisão psíquica.
A lógica do olhar e o imperativo da performance
Nas redes sociais, estamos constantemente expostos ao olhar
do Outro — um conceito central na psicanálise lacaniana. Esse olhar não é
apenas o de quem vê, mas o de quem julga, valida ou rejeita. Quando alguém se
identifica demais com esse olhar, ele passa a viver em função dele, moldando
sua imagem, suas opiniões e até seus afetos para corresponder a uma expectativa
externa. Isso pode gerar comportamentos obsessivos, como checar
compulsivamente curtidas, comentários ou a reação dos outros a cada postagem.
Controle como defesa contra a angústia
O desejo de controlar tudo (o que os outros pensam, sentem ou
fazem) pode ser uma tentativa inconsciente de evitar a angústia da falta, da
incerteza e da rejeição. Mas esse controle é ilusório e, muitas vezes,
sufocante tanto para quem o exerce quanto para quem está ao redor. A relação
com o Outro se torna marcada por exigência, cobrança e, em casos extremos, por
manipulação emocional, violência e crimes.
Riscos subjetivos e sociais
Esse tipo de comportamento pode levar
ao isolamento emocional, já que o sujeito se distancia de relações
autênticas, à ansiedade e depressão, por nunca se sentir “suficiente”, à
comportamentos autodestrutivos, como automutilação ou exposição
excessiva e à violência simbólica ou real contra o Outro, quando este
não corresponde às expectativas idealizadas. Neste último, observamos que o excesso de controle, a obsessão com a imagem e
a validação nas redes sociais podem, sim, ser sintomas de uma estrutura
psíquica marcada pela insegurança, pela fragilidade narcísica e pela
dificuldade de lidar com a alteridade — ou seja, com o fato de que o Outro é um
ser separado, com desejos próprios. Quando essa separação é intolerável, o
risco de violência aumenta.
Do controle simbólico à violência real
Em muitos casos de feminicídio, o agressor não aceita a
perda de controle sobre a mulher, seja o fim de um relacionamento, a recusa
a uma imposição ou até mesmo a autonomia dela. Esse desejo de domínio absoluto
pode ser alimentado por uma cultura que ainda naturaliza a posse sobre o corpo
e a vida da mulher e, nas redes sociais,
onde tudo é exposto, curtido e comentado, esse controle pode se intensificar: o
ciúme se torna público, a vigilância constante, o importar-se demais sufocante e
a frustração, insuportável.
Aqui discorre-se especificamente de feminicídio, tipificado
no Código Penal Brasileiro como uma forma qualificada de homicídio, introduzida
pela Lei nº 13.104/2015, que alterou o artigo 121 do Código Penal; essa
lei reconhece o assassinato de mulheres por razões de gênero como um crime mais
grave, com penas mais severas) mas existem inúmeros casos de violência
perpetrados por mulheres contra homens como agressão física, ameaça,
injúria, calúnia, difamação, lesão corporal e homicídio entre outros, são
punidos da mesma forma que se fossem cometidos contra qualquer outra pessoa de
acordo com o Código Penal
Brasileiro, que não faz distinção de gênero ao
tipificar crimes de violência doméstica e que são punidos da mesma forma que se
fossem cometidos contra qualquer outra pessoa. A diferença está na existência
de uma legislação específica para mulheres, como a Lei Maria da Penha,
que não se aplica aos homens. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)
e a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) são legislações distintas,
mas profundamente interligadas no combate à violência de gênero no Brasil. Elas
atuam em diferentes momentos da escalada da violência contra a mulher — uma na prevenção
e proteção, e a outra na punição mais severa do desfecho extremo: o
assassinato por razões de gênero.
A psicanálise e a lógica do gozo
Lacan nos ajuda a pensar que um indivíduo violento, muitas
vezes, está capturado por um gozo mortífero — uma satisfação inconsciente
que se realiza na destruição do Outro. O feminicídio, ou um homicídio, nesse
sentido, não é apenas um ato de raiva, mas a tentativa desesperada de apagar a
falta, de eliminar o desejo do Outro que escapa ao controle. É a falência do
simbólico, onde o sujeito não consegue simbolizar a perda e recorre ao ato.
A psicanálise propõe um caminho de escuta e responsabilização
subjetiva. Em vez de
tentar controlar o Outro ou apagar o sofrimento, trata-se de reconhecer o
desejo que está em jogo e encontrar formas mais saudáveis de se relacionar com
a falta — que é constitutiva do ser humano.
Como Se Cuidar Sem Se Perder
Você pode ser uma pessoa compassiva e atenciosa sem ser
consumida por tudo ao seu redor:
1. Estabeleça Limites
Os limites protegem sua energia e bem-estar. Você ainda pode
se importar com os outros sem se sacrificar. Comece identificando o que está
sob seu controle e aprendendo a dizer "não" sem se culpar.
Limites não são muros, eles são filtros para proteger sua
atenção e esforço.
2. Priorize o que é mais importante
Nem tudo exige o mesmo nível de atenção. Concentre seu
cuidado nas pessoas e causas que estão alinhadas com seus valores e
permita-se renunciar ao resto.
3.Pratique a Regulação Emocional
Emoções fortes são normais, mas aprender a administrá-las ajuda a evitar a sobrecarga. Experimente como técnicas como exercícios de respiração (acalmam o sistema nervoso), utilize seus cinco sentidos para se manter presente quando as emoções estão em espiral ( o Método Gray Rock, objeto de um outro artigo aqui no blog, é muito interessante nessas situações), faça um diário, colocando seus os pensamentos no papel para reduzir a desordem mental, escolha suas batalhas: sua energia emocional é limitada, use-a com sabedoria; você não precisa se preocupar profundamente com todos os problemas ou resolver todas as situações, algumas coisas importarão mais do que outras, escolher suas batalhas não o torna indiferente, mas sim focado, e finalmente e talvez mais importante, procure ajuda terapêutica, como a psicanálise.
O fato de se importar genuinamente com o que acontece a sua volta significa que se é conectado, atencioso e dedicado aos outros e ao mundo. No setting analítico, é mostrado que se pode se importar profundamente sem se perder no processo, já que a preocupação exacerbada e o apego excessivo podem ser compreendidos e tratados como tentativas de lidar com ansiedades primitivas, conflitos internos e desejos inconscientes. A conscientização desses padrões pode ajudar na busca por um equilíbrio mais saudável entre envolvimento emocional e aceitação da incerteza. O objetivo dentro do processo analítico não é ajudar ao paciente parar de se importar. É ajudá-lo a se importar com sabedoria. A sensibilidade, quando nutrida corretamente, pode ser um dos maiores pontos fortes de uma pessoa.
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