O Comportamento People-Pleasing e o Autismo
Na psicanálise, o comportamento de people-pleasing—ou
seja, a necessidade excessiva de agradar os outros—pode ser compreendido como
um mecanismo de defesa relacionado à constituição do sujeito e à sua relação
com o desejo do outro. Esse comportamento pode estar ligado a questões como
baixa autoestima, medo do abandono e dificuldades na construção de uma
identidade própria.
Autores como Donald Winnicott e Jacques Lacan
oferecem perspectivas relevantes para entender esse fenômeno. Winnicott, por
exemplo, introduziu o conceito de falso self, que descreve indivíduos
que moldam suas ações e emoções para atender às expectativas externas, muitas
vezes em detrimento de sua autenticidade. Já Lacan, ao discutir a entrada do
sujeito na ordem simbólica, sugere que a relação com o desejo do outro pode ser
determinante na formação da subjetividade.
Quando se trata de pessoas no espectro autista, a relação com
o people-pleasing pode ser complexa. Embora o autismo seja
frequentemente associado a dificuldades na interação social, alguns indivíduos
autistas podem desenvolver estratégias para se adaptar ao ambiente social,
incluindo um comportamento de agradar os outros como forma de evitar conflitos
ou facilitar a comunicação. Segundo estudos psicanalíticos, o autismo pode
envolver uma relação diferenciada com o simbólico e o imaginário, o que pode
influenciar a maneira como o sujeito lida com expectativas sociais.
A dificuldade de dizer "não" em pessoas autistas
pode estar relacionada a desafios na comunicação, na percepção social e na
regulação emocional. Na psicanálise, essa questão pode ser vista como um
reflexo da relação do sujeito com o desejo do outro e com a estrutura simbólica
que organiza sua subjetividade.
Exemplos clínicos
Um estudo publicado na Revista Subjetividades apresenta
um caso clínico de uma criança autista que, apesar de compreender a linguagem,
não conseguia se posicionar diante das demandas externas. A análise
psicanalítica sugere que essa dificuldade pode estar ligada à ausência de uma
inscrição simbólica clara, o que faz com que o sujeito se sinta
"congelado" diante do significante do outro.
Outro exemplo pode ser encontrado na Revista Estilos da
Clínica, onde pesquisadores discutem como algumas crianças autistas
desenvolvem estratégias de adaptação que envolvem a aceitação passiva de
solicitações externas, evitando conflitos e mantendo uma aparente harmonia
social. Esse comportamento pode ser interpretado como uma tentativa de evitar
angústia diante da imprevisibilidade das interações sociais.
Jacques Lacan propôs que a forclusão do Nome-do-Pai é um mecanismo
central na estrutura psicótica, e alguns psicanalistas exploram essa ideia para
compreender o autismo. Segundo Lacan, o Nome-do-Pai é um significante
fundamental que organiza a entrada do sujeito na linguagem e na ordem
simbólica. Quando esse significante é forcluído—ou seja, não é inscrito no
inconsciente—o sujeito pode apresentar dificuldades na constituição do desejo e
na relação com o Outro.
Autismo e Forclusão do Nome-do-Pai
Lacan sugere que, na psicose, a ausência do Nome-do-Pai gera
um "buraco" na estrutura simbólica, levando a manifestações como
delírios e alucinações. No caso do autismo, alguns estudiosos argumentam que
essa forclusão pode se manifestar de maneira diferente, resultando em
dificuldades na comunicação e na interação social. O sujeito autista pode ter
uma relação peculiar com a linguagem, muitas vezes caracterizada por ecolalia,
uso literal das palavras e resistência à metáfora.
A Relação com o Desejo do Outro
A ausência do Nome-do-Pai pode impactar a forma como o
sujeito autista se posiciona diante do desejo do Outro. Em muitos casos, há uma
dificuldade em compreender e responder às expectativas sociais, o que pode
levar a comportamentos de isolamento ou a estratégias compensatórias, como o people-pleasing.
Alguns autistas podem desenvolver um padrão de agradar os outros como forma de
evitar conflitos ou de se adaptar a um ambiente social que lhes parece opaco e
imprevisível.
Perspectivas Clínicas
Estudos psicanalíticos sugerem que o autismo pode envolver
uma relação diferenciada com o simbólico, o que influencia a maneira como o
sujeito lida com normas sociais e comunicação. A hipótese de uma estrutura
não decidida, discutida em pesquisas recentes, sugere que o autismo pode
não se encaixar completamente na psicose, mas apresentar características
próprias que desafiam classificações rígidas.
Jean-Claude Maleval é um psicanalista que se dedica ao estudo do autismo
sob uma perspectiva lacaniana, explorando como a relação diferenciada com o simbólico
pode impactar a construção dos limites interpessoais. Segundo Maleval, o
autismo não se encaixa completamente na estrutura psicótica, mas apresenta
características próprias que desafiam classificações tradicionais.
Autismo e a Relação com o Simbólico
Maleval argumenta que o sujeito autista tende a evitar a alienação
simbólica, ou seja, a submissão às normas e convenções sociais que
estruturam a comunicação e a interação humana. Em vez de se inserir plenamente
na linguagem e no desejo do Outro, o autista pode desenvolver estratégias
próprias de organização subjetiva, muitas vezes centradas em interesses
específicos ou padrões repetitivos de comportamento.
Essa relação diferenciada com o simbólico pode levar a
dificuldades na construção de limites interpessoais, pois o sujeito
autista pode ter dificuldades em compreender e estabelecer fronteiras claras
entre si e os outros. Isso pode se manifestar em comportamentos como:
- Aceitação
passiva de demandas externas, sem conseguir dizer "não".
- Dificuldade
em interpretar sinais sociais, levando a interações confusas ou desconfortáveis.
- Estratégias
de isolamento,
como forma de evitar a imprevisibilidade das relações sociais.
Perspectivas Clínicas
Maleval sugere que o tratamento do autismo deve levar em
conta essa especificidade estrutural, evitando abordagens que imponham uma
normatividade rígida. Em vez de forçar o sujeito autista a se adaptar a padrões
sociais convencionais, é fundamental criar um espaço de escuta e acolhimento
que respeite sua forma singular de estar no mundo.
Marie-Christine Laznik é uma psicanalista que se dedica ao estudo do autismo,
enfatizando a importância da intervenção precoce para ajudar crianças
autistas a desenvolverem formas mais estruturadas de comunicação e expressão de
desejos. Seu trabalho destaca como a detecção precoce de sinais de risco pode
ser fundamental para evitar que dificuldades na constituição psíquica se tornem
mais rígidas ao longo do desenvolvimento.
Intervenção Precoce e Comunicação
Laznik propõe que a intervenção precoce deve focar na relação
entre o bebê e seus cuidadores, buscando estimular a interação e a construção
de um espaço simbólico que favoreça a comunicação. Em seu estudo sobre o Caso
Leo, ela descreve como um bebê que apresentava sinais de fechamento e pouca
responsividade pôde ser beneficiado por um trabalho psicanalítico que
enfatizava a importância da voz e da expressão emocional dos cuidadores.
Expressão de Desejos e Construção Subjetiva
A intervenção precoce, segundo Laznik, não deve se limitar à
estimulação motora ou cognitiva, mas sim considerar o lugar do sujeito na
relação com o outro. Ela argumenta que muitas abordagens terapêuticas focam
apenas na adaptação ao meio, sem levar em conta a subjetividade da criança
autista. Para Laznik, é essencial que o bebê seja reconhecido como um sujeito
em constituição, permitindo que ele desenvolva formas próprias de expressão de
desejos e interação.
Perspectivas Clínicas
Os estudos de Laznik mostram que a intervenção precoce pode
ajudar a evitar quadros mais severos de isolamento e dificuldades na
comunicação. Ela enfatiza que o trabalho com bebês autistas deve incluir a
escuta dos pais e a criação de um ambiente que favoreça a emergência da
linguagem e da subjetividade.
Alfredo Jerusalinsky é um psicanalista que se dedica ao estudo do autismo
e da constituição psíquica do sujeito autista. Ele argumenta que o autismo não
deve ser entendido como uma simples variação dentro das psicoses, mas sim como
uma estrutura psíquica própria, com características que desafiam
classificações tradicionais.
A Constituição Psíquica do Autista
Jerusalinsky sugere que o autismo envolve uma relação
diferenciada com o fantasma, conceito fundamental na psicanálise.
Enquanto na neurose e na perversão o fantasma organiza a relação do sujeito com
o desejo e a falta, no autismo essa estrutura mínima pode estar ausente ou
funcionar de maneira distinta. Isso impacta diretamente a capacidade do sujeito
autista de estabelecer fronteiras subjetivas, ou seja, delimitar seu
espaço psíquico em relação ao outro.
Dificuldade em Recusar Demandas Externas
A dificuldade de dizer "não" pode estar relacionada
à forma como o sujeito autista lida com a demanda do outro. Jerusalinsky
analisa casos clínicos em que crianças autistas apresentam resistência à
imposição de regras e dificuldades em expressar recusas de maneira clara. Em um
estudo supervisionado por ele, uma criança autista demonstrava reações
intensas—como gritos e autoagressão—quando confrontada com demandas que
envolviam linguagem e interação social. Isso sugere que a relação do autista com
a palavra e com o desejo do outro pode ser vivida como algo invasivo ou
desorganizador.
Perspectivas Clínicas
Jerusalinsky enfatiza que o trabalho clínico com autistas
deve levar em conta essa especificidade estrutural, evitando abordagens que
simplesmente busquem a adaptação social sem considerar a subjetividade do
sujeito. Ele propõe que a intervenção deve focar na construção de um espaço
simbólico que permita ao autista desenvolver formas próprias de expressão e
interação, respeitando sua singularidade.
Pode-se inferir então que a psicanálise enfatiza a
importância de respeitar a singularidade do sujeito autista e sua forma de
estar no mundo, evitando abordagens que imponham normas rígidas de
comportamento social. O tratamento psicanalítico busca criar um espaço de
escuta e acolhimento, permitindo que o indivíduo se expresse sem a necessidade
de se moldar ao desejo do outro.
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