Clássicos do Cinema: A Personagem Alex Forrest de ‘Atração Fatal’
O filme "Atração Fatal"
(Fatal Attraction), de 1987, é um thriller psicológico que explora a obsessão e
a perseguição de uma mulher por um homem casado após um breve caso amoroso de
um fim de semana. O roteiro segue Dan Gallagher, um advogado de sucesso
com uma família feliz, que tem um encontro casual iniciado por Alex Forrest,
uma mulher aparentemente sofisticada e sedutora que se torna obcecada por ele. Após
Dan terminar o caso que para ele era algo descompromissado, mas ao mesmo tempo
sentido com uma carga de culpa em relação a sua esposa Beth, Alex se transforma
em uma figura perigosa, perseguindo Dan e sua família através de uma série de
atos perturbadores, incluindo ameaças e violência, buscando vingança por ter
sido rejeitada, ao mesmo tempo que ainda
procura uma aproximação amorosa irrealista com Dan. O filme mantém o
espectador em suspense até o final, explorando os limites da obsessão e da
falta de limites racionais para o comportamento de Alex, a qual demonstra
claramente sinais de psicopatia e personalidade borderline.
Sob as lentes da psicanálise, a personagem Alex Forrest, de Atração Fatal, oferece um exemplo singular da representação cinematográfica de dinâmicas internas que se aproximam dos traços do transtorno de personalidade borderline com ressonâncias de traços psicopáticos. Sua conduta extrema e instável ilustra, de forma dramática, mecanismos de defesa clássicos — sobretudo o splitting —, que consistem na incapacidade de integrar simultaneamente aspectos positivos e negativos tanto do self quanto das figuras de apego.
1. Splitting e a Dualidade do Self
Em sua obra Borderline Conditions and Pathological
Narcissism (Condições Borderline e Narcisismo Patológico), Otto Kernberg
enfatiza que indivíduos com personalidade borderline tendem a fragmentar suas
representações internas, alternando entre idealizar e desvalorizar o outro
diante de rupturas afetivas ou ameaças à continuidade da relação. Alex Forrest
demonstra essa dinâmica ao oscilar entre uma apaixonada encantamento e
explorações explosivas de raiva e desespero quando se depara com o fim
indesejado de um relacionamento. Essa divisão extrema — acreditar que a pessoa
amada é perfeita em um momento e, repentinamente, totalmente defeituosa no
outro — evidencia uma defesa psíquica que tenta, de forma paradoxal, preservar
um self vulnerável, mas que se utiliza da grandiosidade ilusória para evitar o
confronto com aquela fragilidade interna.
2.
As Forças Inconscientes Freudianas
A análise da personagem Alex Forrest em Atração Fatal
sob a ótica freudiana pode mostrar-se muito interessante. Freud postulava que o
comportamento humano é impulsionado por forças inconscientes, e Alex parece ser
um exemplo de alguém dominado por desejos e traumas não resolvidos. Sua
obsessão por Dan Gallagher pode ser interpretada como uma manifestação de um conflito
entre o id, que busca satisfação imediata e um ego fragilizado,
incapaz de mediar impulsos destrutivos.
Além disso, sua instabilidade emocional e comportamento
impulsivo podem ser associados a uma falha na integração do superego,
levando-a a agir sem considerar normas sociais ou consequências. A intersecção
entre teoria psicanalítica e representação artística faz-nos refletir sobre
como personagens como Alex desafiam as fronteiras entre o patológico e o
simbólico na constituição do self. Sua trajetória pode ser vista como um
reflexo de um self fragmentado, onde experiências passadas e traumas
moldam sua percepção da realidade e suas relações interpessoais.
3. Desejos Estruturados Pela Linguagem e Pela Fala
A perspectiva lacaniana sobre Alex Forrest em Atração
Fatal também não deixa de ser intrigante, especialmente ao considerar
conceitos como o desejo, o gozo e a falta. Lacan argumentava que o desejo
humano é estruturado pela linguagem e pela falta, e Alex parece ser uma
personagem que encarna essa dinâmica de maneira intensa.
Ela pode ser olhada como alguém que busca desesperadamente
preencher uma falta simbólica, projetando em Dan Gallagher a promessa de
completude. No entanto, essa busca é marcada pelo gozo, um prazer que
ultrapassa os limites do desejo e se torna destrutivo. Sua obsessão por Dan
pode ser interpretada como um sintoma de um sujeito que não consegue lidar com
a separação entre o real, o simbólico e o imaginário—três registros
fundamentais na teoria lacaniana.
Além disso, sua recusa em ser ignorada pode ser vista como
uma tentativa de evitar a castração simbólica, ou seja, a aceitação da falta
como constitutiva do sujeito. Em vez de lidar com essa falta, Alex insiste em
uma relação impossível, o que a leva a um ciclo de sofrimento e destruição.
4.Fragilidade, Impulsividade e a Busca por Validação
Heinz Kohut, em seu livro The Analysis of the Self (A
Análise do Self) 1971, argumenta que o desenvolvimento de um self coeso depende
de um espelhamento adequado na infância. A ausência ou a falha nesse
espelhamento pode acarretar uma vulnerabilidade crônica, levando o sujeito a
buscar incessantemente experiências que reafirmem sua identidade e autoestima.
No caso de Alex Forrest, a incapacidade de sustentar relações interpessoais
estável e a tendência à impulsividade — características frequentemente
associadas ao transtorno borderline — refletem uma tentativa desesperada de compensar
a sensação de vazio e rejeição. Essa busca por validação pode ser lida, na
trama, como uma forma de “preencher” a fragmentação do self, recorrendo a
demonstrações intensas de afetos que, por sua vez, podem ricochetear em
comportamentos autodestrutivos e agressivos.
4. Traços Psicopáticos e a Manipulação do Outro
Embora o transtorno de personalidade borderline seja o
referencial principal nessa análise, observa-se na personagem a inclusão de
traços que podem remeter a aspectos psicopáticos, como a manipulação e a
aparente ausência de empatia em determinados momentos. Nessa visão, as
manifestações impulsivas e o comportamento explosivo apresentam uma dualidade:
de um lado, a intensa dor do abandono e do outro, uma postura quase
maquiavélica para manter uma imagem de invulnerabilidade. Essa confluência de
traços — a oscilação emocional e a capacidade manipulação — sublinha como, no
campo do cinema, frequentemente os elementos patológicos se entrelaçam para
criar personagens que, embora hiperbólicos, evocam questões profundas sobre as
defesas psíquicas do self.
A representação de personagens como Alex Forrest permite que
o público visualize e reflita sobre os mecanismos inconscientes que operam nos
conflitos interpessoais. O cinema, nesse sentido, torna visível o processo de divisão, a luta
interna entre o ideal e o real. Essa dramatização estimula uma identificação
simbólica com dilemas que, embora complexos e dolorosos, são centrais para a
constituição do self e a manutenção das relações afetivas. Ao expor os
extremos emocionais e a instabilidade identitária, Atração Fatal convida
o espectador a questionar a linha tênue entre a vulnerabilidade e a busca por
controle, característica das estruturas borderline.
No campo terapêutico, abordagens que buscam integrar essas
fragmentações internas podem incluir técnicas como a psicoterapia
psicodinâmica, que explora conflitos inconscientes, ou até mesmo abordagens
mais contemporâneas, como a terapia do esquema, que trabalha padrões
disfuncionais de pensamento e comportamento. A representação de Alex nos
convida a reconsiderar o que é visto como patológico e o que pode ser uma
expressão simbólica de sofrimento humano.
A análise psicanalítica de Alex Forrest evidencia a
compreensão de fenômenos patológicos e a tradução desses processos para o
imaginário coletivo do cinema, possibilitando uma compreensão psicológica melhor
da personagem e mostrando como o filme Atração Fatal sintetiza, por
meio do drama e do simbolismo, os desafios enfrentados por indivíduos cujas
defesas psíquicas se manifestam em comportamentos intensos, oscilantes e, por
vezes, destrutivos.
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