A Psicanálise, os Pais e a Medicalização de Crianças e Adolescentes
A psicanálise oferece uma
perspectiva rica para compreender por que muitos pais têm delegado a
responsabilidade de lidar com os desafios da infância e adolescência a profissionais
ou medicamentos, evitando o confronto com as complexidades da educação e da
transmissão de valores. Essa tendência pode ser analisada à
luz de conceitos fundamentais da psicanálise e de autores que exploraram as
dinâmicas familiares e sociais, além de analisar o fenômeno da popularização
das discussões sobre saúde mental nas redes sociais e na cultura pop, bem como
o aumento dos casos de ansiedade e depressão. Essa abordagem nos convida a
refletir sobre os significados subjacentes a essa tendência e os impactos na
subjetividade contemporânea, assim como o aumento de diagnósticos de autismo e
déficit de atenção e o uso crescente de medicação entre crianças e
adolescentes.
Essa abordagem busca
compreender os fenômenos não apenas como condições médicas, mas também como
manifestações da subjetividade humana e das dinâmicas sociais, oferecendo uma
lente crítica para refletir sobre como a sociedade contemporânea lida com a
diversidade e as diferenças, especialmente no que diz respeito ao aumento de
diagnósticos e ao uso excessivo ou inadequado de medicação em crianças e
adolescentes. Essa abordagem também questiona as soluções rápidas e
propõe uma compreensão mais profunda das subjetividades envolvidas.
Sigmund Freud,
o fundador da psicanálise, destacou que os sintomas psíquicos são expressões
de conflitos internos e têm um significado que vai além do que é visível, podendo
ser interpretados como respostas ao ambiente e em seus estudos sobre a formação
do sujeito, destacou que os conflitos internos e as dificuldades emocionais
frequentemente refletem as dinâmicas familiares e sociais.
Jacques Lacan,
por sua vez, ampliou essa visão ao propor que o sujeito é estruturado pela
linguagem e pelas relações sociais. Sob essa perspectiva, o aumento de
diagnósticos pode ser visto como uma tentativa de enquadrar a singularidade de
cada indivíduo em categorias pré-definidas, muitas vezes ignorando a
complexidade de suas experiências, em grande parte reflexos de mudanças
culturais e sociais que acontecem de forma cada vez mais acelerada. Sob essa
ótica, a delegação de responsabilidades por parte dos pais pode ser vista
como uma tentativa de evitar o confronto com os próprios limites e angústias,
muitas vezes projetados nos filhos.
Donald Winnicott,
um dos grandes nomes da psicanálise, introduziu o conceito de "ambiente
suficientemente bom", que enfatiza a importância do envolvimento dos pais
na criação de um espaço seguro e acolhedor para o desenvolvimento emocional da
criança. Quando os pais recorrem excessivamente a profissionais ou
medicamentos, pode haver uma ruptura nesse ambiente, substituindo a escuta e o
cuidado pela busca de soluções rápidas.
Além disso, autores como André
Gellis apontam que a sociedade contemporânea valoriza a eficiência e a
rapidez, o que pode levar os pais a buscarem respostas imediatas para os
desafios da educação. Essa postura reflete uma dificuldade em lidar com a
complexidade das relações familiares e com a singularidade de cada criança ou
adolescente.
A psicanálise também
sugere que o uso excessivo de medicamentos pode ser uma forma de silenciar os
sintomas, ignorando o que eles revelam sobre o mundo interno do indivíduo. Jacques-Alain
Miller argumenta que a medicalização e a terceirização da educação são
reflexos de uma sociedade que busca conformidade e controle, muitas vezes em
detrimento da singularidade e da subjetividade.
Essa perspectiva convida
a uma reflexão mais ampla sobre como os pais podem se reconectar com o papel
fundamental que desempenham na formação emocional e ética de seus filhos. Em
vez de buscar soluções rápidas, a psicanálise propõe um olhar mais profundo e
acolhedor, que valorize a escuta e a compreensão das necessidades e
potencialidades de cada indivíduo.
A medicalização da
infância e da adolescência, como apontado aqui por autores como Gellis,
pode ser entendida como uma resposta da sociedade à dificuldade de lidar com
comportamentos que fogem à norma. A falta de envolvimento dos pais na
educação também é um tema abordado pela psicanálise. Gellis argumenta que,
em muitos casos, os pais delegam a responsabilidade de lidar com os desafios da
infância e adolescência a profissionais ou medicamentos, evitando o confronto
com as complexidades da educação e da transmissão de valores. Essa postura pode
ser influenciada por uma sociedade que valoriza a rapidez e a eficiência, em
detrimento do tempo necessário para escutar e compreender o sujeito. A
psicanálise alerta para os riscos de reduzir o sujeito a um diagnóstico e de
buscar soluções rápidas, como o uso de psicotrópicos, sem considerar o contexto
mais amplo de suas vivências e relações.
Alicia Beatriz Dorado de
Lisondo, em suas reflexões sobre a medicalização na infância
e adolescência, aponta que o uso indiscriminado de medicamentos, como o
metilfenidato (Ritalina), muitas vezes reflete uma busca por soluções
rápidas para problemas complexos. Essa prática pode ser impulsionada por
uma indústria farmacêutica que promove a ideia de que a medicação é a resposta
para dificuldades de aprendizado ou comportamento. A psicanálise, no
entanto, alerta para os riscos de reduzir a subjetividade a uma questão
biológica ou neurológica.
Jacques-Alain Miller, supracitado
e um dos principais intérpretes de Lacan, argumenta que a sociedade
contemporânea tende a patologizar o que é diferente, transformando a
diversidade em algo a ser corrigido. Essa tendência reflete uma busca
por conformidade e controle, muitas vezes em detrimento da singularidade e da
subjetividade. Além disso, o fenômeno do autodiagnóstico, amplamente
disseminado nessas redes, pode levar a interpretações equivocadas e ao uso
inadequado de medicamentos, ignorando a complexidade das questões psíquicas.
A psicanálise, ao
contrário, propõe um olhar que valoriza a escuta e a compreensão do sujeito em
sua totalidade. Em vez de buscar eliminar sintomas a
qualquer custo, ela busca entender o que eles revelam sobre o indivíduo e seu
mundo interno. Essa abordagem convida a uma reflexão mais ampla sobre como
podemos acolher a diversidade e as diferenças, promovendo um ambiente que
respeite e valorize a singularidade de cada pessoa.
A psicanálise também
questiona a ideia de normalidade. Lacan, por exemplo, descreveu o homem
"normal" como uma ficção estatística, sugerindo que cada indivíduo
tem uma forma singular de estar no mundo. Isso é particularmente relevante
no caso do autismo, que a psicanálise lacaniana considera uma estrutura
psíquica, não uma doença a ser curada, mas uma maneira única de existir.
Quanto ao aumento da medicação, autores como Ana Maria Costa da Silva Lopes
destacam que, embora não exista uma medicação específica para o autismo,
sintomas como insônia e agressividade podem ser tratados para melhorar a
funcionalidade diária. No entanto, é preciso insistir, a psicanálise alerta para os riscos de reduzir
o sujeito a um diagnóstico e de buscar uma suposta normalidade por meio de
medicamentos.
As redes sociais, por sua
vez, desempenham um papel significativo na formação das subjetividades
contemporâneas, intensificando a pressão por
conformidade e desempenho e criando um ambiente onde a diversidade é
frequentemente patologizada. Por outro lado, elas ajudam a reduzir o estigma em
torno dos transtornos mentais, permitindo que mais pessoas compartilhem suas
experiências e busquem ajuda, mas contribuem também para a disseminação de
informações simplistas sobre saúde mental, reforçando a ideia de que a
medicação é uma solução universal. Podemos assim inferir que as redes sociais, como Instagram, SnapChat,
Telegram, TikTok e outras plataformas desempenham um papel ambivalente nesse
contexto.
A linguagem pop de filmes
e séries também contribui para a popularização do tema, mas muitas vezes de
forma superficial. A psicanálise alerta para o risco de
transformar questões profundas em produtos de consumo, esvaziando seu
significado e reduzindo a subjetividade a categorias pré-definidas. André
Green, por exemplo, discute como a sociedade contemporânea tende a
evitar o confronto com o vazio e a angústia, buscando preenchê-los com soluções
rápidas e paliativas.
O aumento dos casos de
ansiedade e depressão pode ser entendido, sob a ótica psicanalítica, como um
sintoma de uma sociedade marcada pela aceleração do tempo, pela
hiperconectividade e pela falta de espaços para a escuta e a reflexão.
A psicanálise propõe um olhar que valorize a singularidade e a complexidade de
cada sujeito, em vez de buscar respostas simplistas ou generalizadas.
A psiquiatra Juliana
Belo Diniz, em seu livro O que os psiquiatras não te contam, alerta
para os riscos da patologização excessiva e da prescrição indiscriminada de
medicamentos. Ela destaca que a crença de que todo sofrimento merece um
diagnóstico e pode ser solucionado com medicamentos simplifica questões
profundas e ignora a singularidade de cada indivíduo.
A psicanálise propõe um
olhar que valoriza a singularidade e a escuta, em vez de buscar respostas
rápidas. Ela convida a sociedade a refletir sobre como acolher a diversidade e
as diferenças, promovendo um ambiente que respeite e valorize as subjetividades
únicas de cada indivíduo.
Essa perspectiva convida
a uma reflexão mais ampla sobre como a sociedade lida com a diversidade e as
diferenças. Em vez de buscar soluções rápidas, como a medicação, a
psicanálise propõe um olhar mais profundo sobre as necessidades e
potencialidades de cada indivíduo. A psicanálise, é preciso reafirmar, desde
sua origem com Sigmund Freud, propõe uma abordagem que valoriza a
singularidade e a profundidade da experiência humana, desafiando a cultura da
medicalização e oferecendo alternativas que respeitam a complexidade do sujeito.
Como já descrito acima, Freud
enfatizou que os sintomas psíquicos não são meramente disfunções a serem
eliminadas, mas expressões de conflitos internos que carregam significados
profundos, tendo Lacan ampliado esta visão ao afirmar que o sujeito é estruturado pela
linguagem e pelas relações sociais, o que torna cada experiência única e
irrepetível.
A cultura da
medicalização, como apontado por autores como Ivan
Illich e Peter Conrad, nos mostra mais uma vez em como frequentemente
se buscam soluções rápidas para o sofrimento psíquico, reduzindo-o a
categorias diagnósticas e tratamentos farmacológicos. Essa abordagem pode
ignorar as nuances da subjetividade e as dinâmicas sociais que contribuem para
o sofrimento. A psicanálise, ao contrário, propõe uma escuta que vai além do
sintoma, buscando compreender o desejo, os conflitos e as histórias que o
animam.
Donald Winnicott, com seu
conceito de "ambiente suficientemente bom" já descrito acima,
destacou a importância de criar um espaço acolhedor para que o indivíduo
possa desenvolver suas potencialidades. Esse ambiente não se limita a
eliminar dificuldades, mas busca oferecer suporte para que o sujeito encontre
suas próprias soluções e caminhos. Essa perspectiva contrasta com a
medicalização, que muitas vezes busca conformidade e controle, em detrimento da
singularidade.
Além disso, Jacques-Alain
Miller observa que a psicanálise não busca eliminar o sofrimento, mas sim
compreendê-lo como parte da experiência humana. Essa abordagem portanto convida
a sociedade a refletir sobre como acolher a diversidade e as diferenças,
promovendo um ambiente que respeite e valorize as subjetividades únicas de cada
indivíduo e oferecendo, portanto, uma alternativa que não apenas desafia a
cultura da medicalização, mas também promove um olhar mais profundo e acolhedor
sobre as necessidades e potencialidades de cada pessoa.
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