O Narcisismo e a Regulação da Autoestima na Contemporaneidade


O narcisismo, segundo Freud, Hartmann e Winnicott, pode ser entendido como um mecanismo essencial na regulação da autoestima, mas cada um deles aborda o conceito de maneira distinta:

 

1. Sigmund Freud: Ele introduziu o conceito de narcisismo em sua obra "Introdução ao Narcisismo" (1914). Para Freud, o narcisismo primário é uma fase normal do desenvolvimento infantil, onde o bebê direciona toda a sua energia libidinal para si mesmo, formando a base do ego. Já o narcisismo secundário ocorre quando o indivíduo, após estabelecer relações externas, redireciona a libido para si mesmo em situações de frustração ou perda, como uma forma de proteger a autoestima.

 2. Heinz Hartmann: Como um dos fundadores da Psicologia do Ego, Hartmann expandiu as ideias de Freud, enfatizando como o narcisismo pode ser adaptativo. Ele sugeriu que o narcisismo saudável é crucial para a formação de uma autoimagem positiva e para lidar com as demandas do ambiente, contribuindo para a regulação da autoestima.

 3. Donald Winnicott: Ele reinterpretou o narcisismo primário, destacando a importância do ambiente e da relação mãe-bebê. Para Winnicott, o narcisismo primário não é apenas uma fase de auto absorção, mas um estado em que o bebê depende completamente do ambiente para desenvolver um senso de self. Um ambiente suficientemente bom ajuda a construir uma autoestima saudável, enquanto falhas nesse ambiente podem levar a dificuldades na regulação da autoestima.

 

Além das teorias de Freud, Hartmann e Winnicott, outros pensadores também exploraram o narcisismo, sob diferentes perspectivas:

 1. Heinz Kohut: Ele desenvolveu a teoria do self, que enfatiza o papel do narcisismo no desenvolvimento da identidade. Kohut introduziu conceitos como o "self grandioso" e a "idealização", destacando a importância do suporte emocional dos cuidadores para a formação de um self saudável.

 2. Otto Kernberg: Ele abordou o narcisismo em termos de personalidade patológica, introduzindo o conceito de "narcisismo maligno". Kernberg explorou como traços narcisistas podem se manifestar em comportamentos manipuladores e falta de empatia.

 3. Melanie Klein: Embora não tenha focado exclusivamente no narcisismo, Klein discutiu como as primeiras relações objetais influenciam o desenvolvimento do ego e a autoestima, aspectos relacionados ao narcisismo.

 4. Jacques Lacan: Ele reinterpretou o narcisismo através do conceito do "Estágio do Espelho", onde o indivíduo desenvolve uma imagem de si mesmo ao se reconhecer no reflexo, formando a base do ego.

As teorias sobre o narcisismo têm sido amplamente aplicadas em contextos terapêuticos modernos, adaptando-se às demandas contemporâneas e às novas formas de sofrimento psíquico. Aqui estão algumas maneiras como essas teorias têm sido utilizadas:

 1. Psicanálise Contemporânea:

   - A psicanálise moderna tem observado um aumento nas patologias relacionadas ao narcisismo, como depressão, transtornos alimentares e dependência química. Essas condições são frequentemente associadas a falhas no desenvolvimento do self e na regulação da autoestima.

   - A abordagem terapêutica busca explorar as raízes dessas dificuldades, muitas vezes ligadas a experiências precoces de cuidado insuficiente ou rupturas no ambiente emocional.

 2. Psicologia do Self (Kohut):

   - A empatia do terapeuta é central para ajudar pacientes com fragilidades no self. A terapia foca em reparar rupturas no desenvolvimento emocional e fortalecer a autoestima, especialmente em casos de narcisismo patológico.

 3. Influência da Cultura Contemporânea:

   - O narcisismo tem sido analisado em relação à cultura atual, marcada pelo individualismo e pela busca de validação externa, especialmente nas redes sociais. Essas dinâmicas culturais têm impacto direto na saúde mental e são abordadas em terapia para ajudar os pacientes a desenvolverem uma autoimagem mais autêntica. A cultura moderna tem um impacto profundo no narcisismo, que por sua vez influencia como esse aspecto é abordado na terapia. Algumas das principais maneiras incluem:

1.   Individualismo e Valorização da Imagem:

o    A sociedade contemporânea frequentemente enfatiza o sucesso individual, a aparência física e a conquista de status. Isso pode levar ao aumento da busca por validação externa e a dificuldades em construir uma autoestima sólida baseada em valores intrínsecos. Em terapia, os pacientes frequentemente apresentam preocupações relacionadas à comparação social e à autoimagem, exigindo abordagens que promovam a autovalorização autêntica.

2.   Redes Sociais e Narcisismo Digital:

o    As redes sociais criaram um espaço onde a apresentação pública de si mesmo é amplificada, o que pode alimentar comportamentos narcisistas, como a necessidade de "likes" ou aprovações. Muitos pacientes expressam angústias ligadas ao desempenho digital e à pressão para manter uma imagem "perfeita". Os psicanalistas devem trabalhar a exploração dessas questões e ajudar os pacientes a desenvolverem um senso de self menos dependente de validações virtuais.

3.   Cultura de Alta Performance:

o    A pressão cultural para alcançar metas ambiciosas, tanto pessoais quanto profissionais, pode criar fissuras na autoestima, especialmente quando o fracasso é visto como uma ameaça ao valor pessoal. Terapias modernas abordam essa relação e ajudam pacientes a reformular seus conceitos de sucesso e aceitação.

4.   Fragilidade Narcísica e Sofrimentos Psíquicos Modernos:

o    O narcisismo cultural não se manifesta apenas em grandiosidade; também se revela em fragilidades, como a dificuldade em lidar com críticas ou fracassos. Na terapia psicanalítica, isso frequentemente se traduz na construção de resiliência emocional e na aceitação de imperfeições.

 

A psicanalise contemporânea tem adaptado teorias clássicas do narcisismo para atender às novas formas de sofrimento que emergem nesse contexto cultural.

Os psicanalistas, com a utilização da atenção flutuante complementada com o princípio da associação livre, devem incentivar o paciente a falar tudo o que vier à mente sem censura. Essa combinação cria um espaço onde o inconsciente pode emergir mais facilmente, contribuindo para o avanço do processo analítico, ajudando os pacientes a lidarem com os desafios únicos da era contemporânea.

As teorias sobre o narcisismo continuam relevantes, oferecendo ferramentas para compreender e tratar os desafios emocionais e sociais da atualidade e ampliando a  compreensão do narcisismo, explorando tanto seus aspectos saudáveis quanto suas manifestações patológicas e mostram que o narcisismo, sempre observado de uma maneira negativa devido às suas manifestações patológicas, pode ser também, tanto uma base para o desenvolvimento saudável quanto um mecanismo de defesa em situações de vulnerabilidade emocional.

A maior compreensão das teorias supracitadas, além de outras aqui não descritas,  pode oferecer uma base robusta para adaptar estratégias terapêuticas às necessidades de cada indivíduo. Elas permitem que os psicanalistas e demais profissionais de saúde mental entendam tanto os mecanismos de defesa quanto os recursos internos dos pacientes, auxiliando no fortalecimento de sua autoestima e no desenvolvimento de um self mais integrado.


 

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