Freud, Lacan e a Recorrência dos Selfies nas Redes Sociais
A psicanálise, enquanto
teoria e prática clínica, oferece uma lente interessante para entender o
fenômeno das selfies nas redes sociais. Aqui estão alguns pontos de vista que
podem ser explorados:
1. Narcisismo e
Autoestima:
Sigmund Freud, o pai da
psicanálise, introduziu o conceito de narcisismo, que se refere ao amor que a
pessoa sente por si mesma. O ato de tirar selfies e postá-las pode ser visto
como uma manifestação moderna desse narcisismo. As selfies frequentemente são
usadas como uma forma de validação, buscando likes e comentários positivos, o
que pode refletir uma necessidade de reforço da autoestima.
2. Exibição e Inibição:
A psicanálise também
explora a tensão entre os impulsos de exibição e inibição. A exibição através
das selfies pode ser interpretada como um desejo de ser visto e reconhecido,
contrastando com a possível inibição e insegurança que a pessoa sente na vida real.
3. A Imagem do Eu:
Jacques Lacan, um
importante teórico pós-freudiano, discutiu a ideia do "estágio do
espelho", onde a formação do "eu" se dá através da imagem
refletida. Nas redes sociais, as selfies podem funcionar como um espelho
digital, onde os indivíduos constroem e ajustam continuamente sua imagem e
identidade.
4. Fuga e Fantasia:
O uso repetitivo de
selfies pode ser visto como uma tentativa de escapar da realidade e criar uma
fantasia de perfeição. Essa atividade pode servir como uma defesa contra
ansiedades e frustrações do cotidiano.
5. Relação com o Outro:
Finalmente, a psicanálise
destaca a importância da relação com o outro. As selfies não são apenas sobre a
autoimagem, mas também sobre como essa imagem é percebida pelos outros. A
interação nas redes sociais pode influenciar profundamente a maneira como a
pessoa se percebe e se valoriza.
Então, e para
enfatizarmos um pouco mais o assunto, como Freud e Lacan interpretariam a
influência das redes sociais na percepção de si mesmo se estivessem vivos para
analisar a dinâmica recorrente das selfies nas redes sociais?
Para Freud, a dinâmica
entre o ego, o id e o superego desempenha um papel central na formação da
identidade e na percepção de si mesmo. No contexto das redes sociais,
possivelmente Freud sugeriria que as redes sociais amplificam o narcisismo ao
permitir que os indivíduos compartilhem constantemente aspectos de si mesmos e
busquem validação externa. O ato de postar selfies e atualizações pode ser
visto como uma forma de reafirmar o ego e buscar a aprovação do superego,
representado pelas normas e expectativas sociais. Freud também poderia apontar que o uso das
redes sociais muitas vezes envolve mecanismos de defesa como a negação e a
formação reativa. Por exemplo, uma pessoa pode postar apenas momentos felizes e
bem-sucedidos, negando ou ocultando suas dificuldades e fracassos.
Lacan, por outro lado, talvez
focasse na linguagem, nos símbolos e no conceito de "eu" como algo em
constante construção através do olhar do outro. Lacan propôs que a formação do
"eu" ocorre através da identificação com a imagem refletida, o “estágio
do espelho” como já descrito acima, sendo assim ele muito provavelmente
apontaria que os perfis e as selfies funcionam como espelhos digitais, onde os
indivíduos constantemente ajustam e reconstroem suas identidades com base no
feedback e nas interações dos outros. Lacan talvez também sugerisse que o
desejo nas redes sociais é estruturado pelo "Grande Outro" – a soma
das normas culturais e sociais. Os usuários procuram atender às expectativas e
normas implícitas de beleza, sucesso e felicidade promovidas pelas plataformas
e as interações online seriam então carregadas de símbolos e significantes
(como curtidas, comentários e compartilhamentos) que afetam como os indivíduos
interpretam e valorizam a si mesmos.
Aprofundando um pouco mais
a incessante e muitas vezes desesperada busca por identidade, validação e
pertencimento na era digital, podemos terminar refletindo ainda um pouco mais
sobre os selfies e sua recorrência, já que a identidade é um conceito central
na psicanálise, é importante insistir.
Freud e Lacan sugerem que
a formação do "eu" é um processo contínuo e conflituoso, processo já
estabelecido acima. Na era digital, esse processo é intensificado pelas redes
sociais, onde os indivíduos apresentam versões idealizadas de si mesmos e o recorrência na postagem de selfies pode surgir
quando há uma discrepância entre a identidade online e a realidade interna,
causando sentimentos de inadequação e ansiedade, já observados neste texto.
O conceito freudiano de
superego, representa as normas e expectativas internalizadas da sociedade. A
busca por validação nas redes sociais pode ser vista como uma tentativa de
satisfazer o superego, buscando aprovação e reconhecimento externo. Curtidas,
comentários e compartilhamentos funcionam como reforços positivos, mas a
ausência deles pode levar a sentimentos de rejeição e baixa autoestima.
O "Grande
Outro" é importante na formação da identidade, segundo a teoria lacaniana.
Na era digital, o "Outro" pode ser representado pela comunidade
online. A busca por pertencimento se manifesta na necessidade de ser aceito e
reconhecido por grupos e comunidades virtuais. Essa dinâmica pode levar ao
conformismo, onde os indivíduos ajustam seu comportamento e opiniões para se
alinhar às normas do grupo. O anonimato oferecido pelo ambiente digital pode
proporcionar uma sensação temporária de liberdade e fuga das pressões da vida
real. No entanto, também pode levar a comportamentos impulsivos e à criação de
identidades falsas, intensificando o desespero por uma verdadeira conexão e
autenticidade.
O uso excessivo das redes
sociais pode exacerbar questões de saúde mental, como depressão, ansiedade,
transtornos de imagem corporal e neuroses. A psicanálise sugere que a
dependência da validação externa pode impedir o desenvolvimento de um sentido
de identidade sólido e autêntico. Essas novas manifestações de busca por
identidade, validação e pertencimento na era digital mostram como a psique
humana é profundamente influenciada pela tecnologia e pela cultura
contemporânea, sendo um vasto campo de estudo e reflexão para a psicanálise
atual.
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